terça-feira, 31 de julho de 2007

Cérebro de macaco reso instrui braço-robô



Cientista brasileiro que trabalha nos EUA faz ligação cerebral entre homem e máquina chegar mais perto da realidade

Salvador Nogueira escreve para a “Folha de SP”:

Em um laboratório da Universidade Duke, nos EUA, um macaco reso com centenas de eletrodos instalados no cérebro é capaz de comandar um braço – não o dele, mas o de um robô.

O avanço, obtido pelo grupo comandado pelo brasileiro Miguel Nicolelis, traz a perspectiva de criar membros artificiais funcionais para seres humanos para muito mais perto da realidade.

O trabalho é a continuação de uma pesquisa que já causou boa impressão na comunidade científica em 2000, quando a equipe demonstrou que eletrodos introduzidos cirurgicamente no cérebro de um macaco-coruja podiam captar sinais elétricos suficientes para transformar os impulsos do cérebro em informação inteligível para o braço robótico.

Agora, o resultado está sendo reproduzido nos resos, primatas muito mais próximos dos seres humanos. "Esses macacos possuem um cérebro mais parecido com o nosso, com circunvoluções", conta Nicolelis.

Nos próximos meses, ele deve submeter os resultados a uma grande revista científica internacional, como a britânica "Nature" ou a americana "Science", embora ainda não tenha decidido para qual.

Dois resos até agora foram submetidos à cirurgia de inserção dos eletrodos. Depois, eles foram treinados para tentar mover um objeto em uma tela de computador, onde aprendem a induzir o movimento no robô. "É como um videogame", diz Nicolelis.

Apenas um dos macacos, no entanto, conseguiu dominar o jogo. O outro era uma fêmea de cerca de oito anos, já muito velha para aprender. "Ela não tinha paciência com o videogame", conta.

O primeiro objetivo da pesquisa era demonstrar que o mesmo sucesso obtido com o macaco-coruja poderia ser obtido com um animal com estrutura cerebral diferente, similar à humana. Nicolelis não esperava que os resultados viessem tão rápido. "Eu achei que levaria uns três ou quatro anos para chegar aonde estamos."

Em razão disso, a equipe já está começando a trabalhar no próximo desafio – tornar a comunicação entre o cérebro e a máquina uma via de mão dupla.

Até agora, apenas os macacos podiam enviar sua informação cerebral via eletrodos para o computador. O objetivo deles é fazer com que o robô retribua, o que faria com que o macaco não só pudesse usar e abusar de seu braço, mas senti-lo. "Isso daria a ele a informação tátil do braço", diz. "Ninguém conseguiu fazer exatamente isso até agora."

Além disso, a equipe está refinando os experimentos atuais para que o reso possa controlar não só a direção do movimento, mas também a força da mão biônica.

Embora uma cirurgia que envolve a introdução de eletrodos na região cortical (superficial) do cérebro não pareça ser a coisa mais segura do mundo, Nicolelis acredita que o procedimento não ficaria muito distante da implantação de um marca-passo.

"No princípio, essas cirurgias de coração eram vistas como de alto risco, mas o sistema acabou se mostrando vantajoso e seguro", diz. Ele acredita que será a mesma coisa para os implantes cerebrais.

No futuro, é possível que eles nem sejam precisos, com alguma tecnologia de leitura cerebral que não seja invasiva. Por ora, a densidade necessária para a correta leitura dos sinais cerebrais só pode ser obtida com o uso de eletrodos.

De todo modo, Nicolelis afirma que seus macaquinhos vão muito bem, sem apresentar qualquer tipo de dano em razão das experiências realizadas.

O uso mais óbvio de uma interface cérebro-máquina é o que o grupo demonstrou -o controle de membros biônicos. A pesquisa tem um potencial enorme para criar braços e pernas artificiais que obedeçam ao dono. Mas há outras aplicações menos óbvias e igualmente interessantes.

"Uma interface dessas poderia ser usada para controlar crises epilépticas, ou tremores de pessoas que sofrem de mal de Parkinson", sugere Nicolelis. Uma vez que se decifre a via de comunicação de mão dupla com o cérebro, seria possível administrar muito melhor seu comportamento.

Evolução liga sintético ao biológico

Nem os andróides biológicos de "Blade Runner", nem o homem-máquina que virou Anakin Skywalker ao se tornar Darth Vader na série cinematográfica "Guerra nas Estrelas". O rumo das pesquisas que buscam substituir órgãos e tecidos humanos por equivalentes artificiais está a meio caminho entre esses extremos.

Ao que parece, neurônios cultivados em laboratório e chips de silício vão ter de trabalhar juntos para que o homem chegue ao sonho de construir um cyborg (contração de "organismo cibernético", em inglês).

Essa é a conclusão a que a comunidade científica parece estar chegando, pelo que se pode ler no especial sobre biônica publicado na última "Science" (www.sciencemag.org).

Tome-se o exemplo do desenvolvimento do coração artificial, um dos campos mais avançados quando o assunto é substituir um órgão natural por um artificial. "A idéia sempre foi de que a substituição total do coração seria o ideal", diz Fábio Jatene, cardiologista do Instituto do Coração, em SP, e filho do também cardiologista Adib Jatene.

"Isso, entretanto, não vem se provando na prática. Os VADs [ventrículos artificiais, que auxiliam as funções do coração, mas não o substituem" dão menos complicação, são mais práticos e ainda mantêm a possibilidade do reaproveitamento do órgão original, caso se recupere."

Não é à toa. Por melhor que funcionem, os corações totais artificiais (como o AbioCor, que já foi implantado em vários pacientes nos EUA desde o ano passado) são muito menos capazes de se adaptar do que os músculos naturais. E uma falha no funcionamento é morte quase certa. Por isso, eles só são autorizados para uso em pacientes cuja expectativa de vida não ultrapassa os 30 dias.

E isso porque o coração é essencialmente só uma bomba, nada muito sofisticado em termos mecânicos. Com coisas de funcionamento complexo, como a medula espinhal, a solução para um substituto provavelmente só virá da criação de culturas de células capazes de corrigir o dano original. Nesse caso, o campo que merece mais atenção é o da engenharia de tecidos -uma área que ainda está começando, mas que já apresenta alguns resultados.

"Tecidos conectivos estão atualmente no front da pesquisa aplicada, com osso, cartilagem, pele e vasos à frente. Para falha de órgãos, esperamos desenvolver alternativas para transplantes", diz Linda Griffith, engenheira de tecidos do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, EUA.

"Muitas dessas tecnologias dependem do que acontece nas pesquisas de células-tronco [aquelas que podem se diferenciar em vários tipos de célula". Se pudermos colocar células-tronco em locais de tecidos danificados e corrigir o problema, nem precisaremos manter tecidos em cultura", diz.

Embora as mais polivalentes células-tronco sejam embrionárias (que, ao serem extraídas, causam a morte do embrião, daí a polêmica em torno desses estudos), Griffith ainda acha cedo para avaliar seu potencial.

"O uso de células-tronco embrionárias para curar um modelo de doença humana ainda não foi demonstrado. Ainda há muita ciência a fazer antes de saber que papel elas terão."

Um caso de hibridização do orgânico com o sintético é o atual esforço para a criação de fígados artificiais. Os principais sistemas em teste envolvem um aparelho biorreator, constituído por estrutura que abriga em seu interior uma cultura de células hepáticas.

Eles ficam fora do organismo e são ligados ao corpo por meio de tubos, de forma similar ao que ocorre no processo de diálise, para compensar a inação dos rins. "Alguns grupos estão tentando trabalhar com um interno, na França, mas está difícil avançar com ele clinicamente", diz Alastair Strain, da Universidade de Birmingham, no Reino Unido.

Os atuais aparelhos ainda estão longe de ser um substituto à altura do fígado original. Apesar de conterem células hepáticas, elas não conseguem executar todas as funções ligadas ao órgão natural.

Mesmo assim, a estratégia híbrida parece ser o melhor caminho. Até mesmo para estruturas simples, como braços e pernas.

"Materiais híbridos, como biotecidos ou componentes similares a tecidos inspirados pela biologia, são provavelmente o que Luke Skywalker vai usar para substituir seu braço", diz William Craelius, da Universidade Rutgers, nos EUA. "Ainda estamos bem longe desse cenário". O caminho, entretanto, já está sendo traçado.

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