Scroogled
de Cory Doctorow
Tradução/adaptação para Português: Carlos Martins
“Dêem-me seis linhas escritas pelo mais honrado dos Homens, e encontrarei nelas uma desculpa para o enforcar.” — Cardeal Richelieu
“Não sabemos o suficiente sobre si.” —CEO do Google Eric Schmidt
Greg aterrou no Aeroporto Internacional de São Francisco às 8h da tarde, mas pela altura em que finalmente chegou à frente da fila para a alfândega, já passava da meia-noite. Tinha saído da cabina da primeira classe, bronzeado perfeito, a barba por fazer, depois de um mês de praia no Cabo (mergulhando três dias por semana, seduzindo estudantes Francesas no resto do tempo.) Quando tinha saído da cidade, um mês antes, era um destroço andante de ombros descaídos e barrigudo. Agora, era um deus bronzeado, que atraía olhares das hospedeiras na frente do avião.
Depois de quatro horas na fila para a alfândega, tinha novamente passado de deus a mero mortal. O seu aspecto admirável estava gasto, suor escorria pelo rego do seu traseiro, e os seus ombros e pescoço estavam tão tensos que o seu tronco parecia uma raquete de ténis. A bateria do seu iPod já se tinha esgotado há muito, deixando-o sem nada para fazer senão escutar a conversa do casal de meia-idade que se encontrava à sua frente.
“As maravilhas da tecnologia moderna,” disse a mulher, referindo-se a um sinal que estava por perto: Imigração – Powered by Google.
“Não era suposto começarem apenas no próximo mês?” disso o homem, que alternadamente usava e segurava um sombrero de grandes dimensões.
Googlando na fronteira. Jesus. Greg tinha vendido todas as suas acções do Google seis meses antes, esperando aproveitar algum tempo para si próprio – algo que se revelou menos recompensador do que ele esperava. Na maior parte do tempo dos cinco meses que se seguiram, deu consigo a arranjar os PCs dos amigos, ver TV durante o dia, e ganhando quase 5Kg de peso, que culpava ser devido ao tempo que passava em casa em vez de estar no Googleplex, seguindo o seu programa físico de 24h no ginásio.
Ele já devia ter imaginado. O governo dos Estados Unidos tinha estourado $15 biliões de dólares num programa para capturar impressões digitais e fotografias nas fronteiras, sem que tivesse apanhado um único terrorista. Era óbvio que o sector público não estava equipado para proceder a essas pesquisas de forma adequada.
O agente da DHS (Departamento de Segurança Nacional) observava as malas que tinha à sua frente, enquanto ia espreitando o que se passava no seu ecrã, vagarosamente carregando nas teclas com os seus dedos gordos como salsichas. Não admirava que estivesse a demorar 4h para sair do raio do aeroporto.
“Boa noite,” disse Greg, entregando o seu passaporte suado ao agente. O agente grunhiu algo e passou-o no leitor, olhando para o ecrã enquanto batia com os dedos. Ele tinha uns restos de comida ressequida no canto da sua boca, e a sua língua ia saindo e lambendo o que restava.
“Quer dizer-me sobre Junho de 1998?”
Greg olhou para ele e disse. “Desculpe?”
“Você colocou uma mensagem em alt.burningman a 17 de Junho de 1998, sobre os seus planos para ir a um festival. Perguntou ‘São os shrooms assim tão má ideia?’”
O interrogador na sala de controlo era um homem mais velho, tão magro que parecia que tinha sido esculpido de madeira. As suas perguntas iam muito mais além que os shrooms.
“Fale-me sobre os seus hobbies. Você está envolvido com Foguetões em miniatura?”
“O quê?”
“Foguetões em miniatura.”
“Não,” disse Greg, “Não, não estou.” Já imaginando o rumo que a conversa estava a tomar.
O homem tomou umas notas, e carregou numas teclas. “É que, pergunto isto porque vejo um grande número de anúncios relacionados com foguetões miniatura nos seus resultados de pesquisa e Google mail.”
Greg sentiu um aperto. “Você está a ver os meus resultados de pesquisas e e-mail?” Ele não tocava num teclado de computador há mais de um mês, mas sabia que o quer que tivesse introduzido naquele campo de pesquisa seria bem mais revelador do que tudo o que ele já tinha dito ao seu psiquiatra.
“Senhor, tenha calma, por favor. Não, não estou a ver as suas pesquisas,” disse o homem em tom de gozo. “Isso seria anti-constitucional. Nós apenas vemos os anúncios que aparecem quando você lê o seu e-mail e faz as suas pesquisas. Tenho aqui uma brochura que explica tudo. Poderá lê-la quando estivermos terminados.”
“Mas os anúncios não significam nada,” retorquiu Greg. “Eu levo com anúncios para toques de telemóvel da Ann Coulter sempre que recebo um e-mail de algum amigo em Coulter, Iowa!”
O homem acenou em concordância. “Eu sei. E é exactamente por isso que estou aqui a falar consigo. Porque acha que estes anúncios sobre foguetões em miniatura aparecem tão frequentemente?”
Greg pôs os neurónios em funcionamento. “Ora bem, faça isto. Procure por ‘fanáticos do café.’” Ele era um membro bastante activo do grupo, ajudando-os a lançar o seu site e o serviço café-do-mês. A mistura que iam lançar chamava-se Jet Fuel. “Jet Fuel” e “lançamento” – isso faria com que o Google enchesse a página com anúncios de modelos de foguetões.
Estavam já na recta final quando o homem esculpido de madeira encontrou as fotos do Halloween. Estavam enterradas na terceira página dos resultados da pesquisa por “Greg Lupinski.”
“Era uma festa com o tema da Guerra do Golfo,” disse ele.
“E você está vestido de…?”
“Um bombista suicida,” respondeu envergonhado. Dizer aquelas palavras era assustador.
“Venha comigo, Sr. Lupinski,” disse o homem.
Quando foi libertado já passava das 3h da manhã. As suas malas esperavam por ele ao lado do tapete de transporte. Quando pegou nelas apercebeu-se que tinham sido inspeccionadas, e fechadas sem qualquer cuidado. A sua roupa espreitava por todos os cantos.
Quando regressou a casa, descobriu que todas as suas estatuetas falsas do período pré-colombiano tinham sido estilhaçadas, e a sua camisa mexicana de algodão branco acabada de comprar tinha uma opressiva pegada mesmo no meio. As suas roupas já não cheiravam a México, cheiravam a aeroporto.
Ele não se ia deitar. De forma alguma. Ele precisava falar acerca disto. Só havia uma pessoa que o podia entender. Felizmente, ela ainda costumava estar acordada a esta hora.
Maya tinha começado a trabalhar no Google dois anos depois de Greg. Tinha sido ela a convence-lo a ir ao México depois de vender as acções: A qualquer sítio, disse ela, onde pudesse reiniciar a sua existência.
Maya tinha dois labradores gigantes castanhos, e uma namorada com muita, muita paciência chamada Laurie que aturava tudo excepto ser arrastada pelo parque às 6h30 da manhã por 160Kg de canídeos espalhando baba por todos os cantos.
Maya preparou-se para agarrar no seu Mace à medida que Greg corria em sua direcção, depois parou e abriu os seus braços, largando a trela. “Onde está o resto de ti? Meu, estás mesmo bom!”
Ele abraçou-a de volta, apercebendo-se subitamente do seu odor corporal após uma noite de Googling invasivo. “Maya,” disse ele, “que sabes sobre o Google e o DHS?”
Assim que ele fez a pergunta ela mudou de atitude. Um dos cães começou a chiar. Ela olhou em redor, e depois fez sinal em direcção aos courts de ténis. “No topo daquele poste de iluminação; não olhes,” disse ela. “Aquele é um dos nossos pontos de acesso WiFi municipais. Tem uma webcam com lente grande angular. Não fales virado na sua direcção.”
No grande esquema das coisas, não tinha custado muito ao Google para colocar webcams por toda a cidade. Especialmente quando comparado com a capacidade de distribuir anúncios de acordo com onde as pessoas se sentam. Greg não tinha prestado muita atenção quando todas aquelas câmaras em todos os pontos de acesso foram tornadas públicas – durante um dia houve um frenesim com toda a gente a brincar com aquele novo brinquedo, fazendo zoom em várias zonas de prostituição, mas rapidamente a excitação se dissipou.
Incrédulo, Greg murmurou, “Estás a gozar.”
“Vem comigo,” disse ela, virando-se para longe do poste.
Os cães não estavam contentes com a redução do seu passeio e mostravam o seu desagrado na cozinha enquanto Maya fazia café.
“Negociamos um acordo com o DHS,” disse ela, procurando o leite. “Eles concordaram em deixar de cheirar os nossos registos, e nós concordamos em deixá-los ver os anúncios mostrados a cada utilizador.”
Greg ficou doente. “Porquê? Não me digas que o Yahoo também já fazia isso…”
“Não, não. Isto é, sim. Claro. O Yahoo já fazia isso. Mas não foi por isso que o Google alinhou. Sabes, os Republicanos odeiam o Google. Somos maioritariamente Democráticos registrados, portanto estamos apenas a tentar fazer um acordo de paz com eles antes que eles nos massacrem. Isto não é I.I.P.”-Informação de Identificação Pessoal – “É apenas meta data. Portanto é apenas ligeiramente maléfico.”
“Então, porquê toda a intriga?”
Maya suspirou e abraçou o labrador que pousava a sua enorme cabeça nas suas pernas. “Os agentes são como piolhos. Metem-se por todo o lado. Aparecem nas nossas reuniões. É como estar a trabalhar num ministério soviético. Todos nós sabemos quem não é admitido, mas ninguém sabe porquê. Eu passei. Que sorte a minha – ser lésbica aparentemente já não é motivo para ser eliminada. E ninguém com autorização se dignaria a almoçar com alguém que não a tenha conseguido.”
Greg sentiu-se muito cansado. “Então acho que tive sorte em sair do aeroporto com vida. Ainda acabava ‘desaparecido’ se tivesse corrido mal, hein?”
Maya ficou a olhar para ele. Ele aguardou uma resposta.
“O quê?”
“Vou contar-te uma coisa, mas nunca poderás repeti-la, está bem?”
“hummm… não fazes parte de uma célula terrorista, pois não?”
“Nada de tão simples. É assim: o escrutínio do DHS no aeroporto serve como filtro. Deixa que os agentes eliminem quem não interessa. Uma vez que sejas levado para a sala de interrogação secundária, passas a ser uma ‘pessoa de interesse’ – e nunca mais te largarão. Eles pesquisarão por ti em todas as webcams. Irão ler o teu e-mail. Analisar as tuas pesquisas.”
“Pensei que tinhas dito que os tribunais não os deixariam fazer isso…”
“Os tribunais não os deixarão Googlar-te indiscriminadamente. Mas depois de estares no sistema, tornas-te numa pesquisa selectiva. Tudo legal. E uma vez que comecem a pesquisar-te, encontrarão sempre algo. Todos os teus dados são analisados em busca de ‘padrões suspeitos’ usando diferenças em relação a médias estatísticas, para te apanharem.”
Greg sentiu-se como se fosse vomitar. “Como é que isto aconteceu? O Google era bom. ‘Não ser mau,’ certo?” Era o lema da companhia, e para Greg isso tinha sido um factor decisivo para que levasse o seu doutoramento em Ciências de Computação directamente de Stanford para Mountain View.
Maya respondeu com um riso irónico. “Não ser mau? Ora essa, Greg. O nosso lobby é o mesmo bando de cripto-fascistas que tratou de Kerry. Já perdemos a nossa virgindade maléfica há muito tempo atrás.”
Ficaram em silêncio durante um minuto.
“Começou na China,” ela prosseguiu finalmente. “Mal colocamos os nossos servidores para o continente, eles ficaram sobre jurisdição Chinesa.”
Greg suspirou. Ele conhecia o poder do Google bem demais: De cada vez que alguém visitasse uma página com anúncios do Google, ou usasse os mapas do Google, ou o e-mail do Google – a companhia recolhia todas essas informações.
Mais recentemente, o software de optimização de pesquisas tinha até começado a usar essa informação para que os resultados apresentados fossem de encontro ao que cada utilizador individual queria. Provou ser um sistema revolucionário para a publicidade. Um governo autoritário certamente teria outros objectivos em mente.
“Estavam a usar-nos para construirmos perfis de pessoas,” disse ela. “Quando tinham alguém que quisessem prender, vinham até nós para encontrarmos uma razão para o fazer. Dificilmente há algo que possas fazer na Internet que não seja ilegal na China.”
Greg abanou a cabeça. “Porque é que tiveram que colocar os servidores na China?”
“O governo disse que nos bloquearia se assim não fosse. E o Yahoo já lá estava.” Ambos fizeram caretas. Algures no caminho, os empregados do Google ficaram obcecados com o Yahoo, mais preocupados com o que a concorrência fazia do que com a sua própria companhia. “Portanto, fizemo-lo. Mas muitos de nós não gostaram da ideia.”
Maya bebeu mais um golo de café e baixou a voz. Um dos seus cães cheirava insistentemente a cadeira onde Greg se sentava.
“Quase imediatamente, os Chineses pediram-nos para que censurássemos os resultados das pesquisas,” disse Maya. “O Google concordou. A explicação era hilariante: ‘Não estamos a fazer mal, estamos a fornecer um motor de pesquisa melhor aos consumidores! Se mostrássemos resultados que depois não poderiam aceder, isso seria frustrante para eles. Seria uma má experiência para o utilizador.’”
“E agora?” Greg empurrou o cão para longe dele. Maya olhou-o com ar magoado.
“Agora és uma pessoa de interesse, Greg. Estás a ser Google-perseguido. Agora vives a tua vida com alguém constantemente a olhar por cima do teu ombro. Conheces a missão da empresa, certo? ‘Organizar a Informação Mundial.’ Tudo. Daqui a cinco anos saberemos quantos cagalhões tens na sanita antes de puxares o autoclismo. Junta isso com a suspeição automática de todos os que sejam estatisticamente considerados bandidos e estás—”
“Scroogled.”
“Completamente.” Concordou ela.
Maya levou os dois labradores através do hall para o quarto. Ele ouviu uma discussão abafada de Maya com a sua namorada, e ela voltou sozinha.
“Eu consigo resolver isto,” disse ela num sussurro urgente. “Depois de os Chineses começarem a juntar pessoas, eu e os meus colegas dedicamos o nosso tempo no projecto dos 20% a fodê-los. ” (Uma das inovações do Google era uma regra que estipulava que cada empregado devia dedicar 20% do seu tempo a projectos alternativos à sua escolha.) “Chamámo-lo de Googlecleaner. Penetra profundamente na base de dados e normaliza-te estatisticamente. As tuas pesquisas, os teus histogramas, os padrões de browsing. Tudo. Greg, eu posso Google-limpar-te. É a única maneira.”
“Não quero que te metas em sarilhos.”
Ela abanou a cabeça. “Eu já estou condenada. Todos os dias desde que criei aquilo que tenho estado à espera – é só uma questão de tempo até que alguém me mencione ao DHS e, sei lá. Que façam o que quer que façam a pessoas como eu na guerra de nomes abstractos.”
Greg relembrou-se do que tinha passado no aeroporto. A pesquisa. A camisa, com a pegada bem no meio.
“Faz isso,” disse ele.
O Googlecleaner funcionou perfeitamente. Greg podia dizê-lo pelos anúncios que apareciam nas suas pesquisas, anúncios claramente destinados a outras pessoas: Factos do Design Inteligente, Graus Académicos On-line, Um Amanhã Livre de Terror, Filtros Anti-Pornografia, a Agenda Homossexual, Bilhetes baratos. Era o programa da Maya em funcionamento. Era óbvio que a procura personalizada do Google o considerava alguém completamente diferente, um militante de direita temente a Deus.
O que, por ele, estava bem.
Depois clicou na sua lista de endereços, e descobriu que metade dos seus contactos tinha desaparecido. A sua caixa de entrada do GMail estava vazia como uma caixa de madeira comida pelas térmitas. O seu perfil no Orkut, normalizado. O seu calendário, fotografias de família, favoritos: tudo vazio. Ele nunca se tinha apercebido o quanto dele se tinha transferido para a web e encontrado o seu caminho para um servidor do Google – toda a sua identidade on-line. Maya tinha-o deixado completamente limpo; tornara-se um Homem Invisível.
Greg carregou, sonolento, nas teclas do portátil ao lado da cama, trazendo o ecrã de volta à vida. Esforçou-se por ficar os olhos no relógio na barra de ferramentas: 4:13! Raios, quem estaria a bater à sua porta a estas horas da madrugada?
Gritou, “Já vou!” numa voz esganiçada e vestiu um robe e uns chinelos. Arrastou os pés ao longo do corredor, ligando as luzes pelo caminho. À porta, espreitou pelo óculo e deu com Maya a olhar de volta.
Tirou as correntes de protecção, destrancou a porta e abriu a porta de rompante. Maya passou por ele apressada, seguida dos seus cães e namorada.
Estava coberta de suor, o seu cabelo normalmente penteado colando-se aos molhos na sua testa. Esfregou os olhos, que estavam vermelhos e pintados.
“Faz uma mala,” disse sem fôlego.
“O quê?”
Ela agarrou-o pelos ombros. “Faz o que te digo,” disse.
“Mas para onde tencionas…?”
“Provavelmente para o México. Ainda não sei. Despacha-te, raio!” Ela afastou-o da frente e seguiu para o quarto, onde começou a puxar todas as gavetas.
“Maya,” disse ele sério, “Não vou a lado nenhum até que me digas o que se está a passar.”
Ela olhou para ele e afastou os cabelos do seu rosto. “O Googlecleaner está vivo. Depois de te ter limpo a ti, desliguei-o permanentemente. Era demasiado perigoso para ser usado novamente. No entanto continua programado para me enviar e-mails sempre que seja executado. Alguém o usou seis vezes para limpar três contas bem específicas – sendo que todas elas pertencem a membros do Comité de Comércio do Senado que estão para ser reeleitos.”
“Os Googlers estão a limpar senadores?”
“Os Googlers não. Isto teve origem externa. O bloco do IP de origem está registado em D.C. E todos os IPs são usados por utilizadores do Gmail. Adivinha a quem pertencem essas contas?”
“Espiaste as contas do Gmail?”
“Sim. Dei uma vista de olhos pelos emails deles. Toda a gente o faz, de vez em quando, e por motivos vem piores que os meus. Mas repara, toda esta actividade está a ser feita pelo nosso lobby. Apenas fazendo o seu trabalho, defendendo os interesses da companhia.”
Greg sentiu a pulsação a latejar na sua cabeça. “Devíamos contar a alguém.”
“Não vai servir de nada. Eles sabem tudo sobre nós. Podem ver todas as nossas pesquisas. Todos os emails. Todas as vezes que passarmos por uma webcam. Quem está na nossa rede de amigos… sabes que se tiveres mais de 15 amigos no Orkut, é altamente provável que estejas a apenas 3 passos de alguém que tenha contribuído com dinheiro para uma causa ‘terrorista’? Lembras-te do aeroporto? Vais passar por aquilo tudo muitas mais vezes.”
“Maya,” disse Greg, procurando orientar-se. “Ir para o México… não será exagero? Demite-te e pronto. Podemos começar uma nova companhia ou fazer algo do género. Isto é uma loucura.”
“Eles vieram falar comigo hoje,” disse ela. “Dois dos agentes políticos do DHS. Demoraram horas. E fizeram-me montes de perguntas muito complicadas.”
“Sobre o Googlecleaner?”
“Sobre os meus amigos e a minha família. O meu histórico de pesquisas. A minha história pessoal.”
“Jesus.”
“Estavam a dar-me uma mensagem. Que estão a observar todos os cliques e todas as pesquisas. É tempo de partir. Tempo de sair fora do alcance deles.”
“Mas tens uma agência do Google no México, sabes disso.”
“Temos que ir,” disse ela, firmemente.
“Laurie, que pensas disto?” perguntou Greg.
Laurie afagou os cães. “Os meus pais abandonaram a Alemanha de Leste em ‘65. Costumavam contar-me sobre a Stasi. A polícia secreta colocava tudo sobre ti num ficheiro, se tinhas contado uma piada anti-patriótica, o que quer que fosse. Quer queiram quer não, o que o Google fez não é diferente.”
“Greg, vens ou não?”
Ele olhou para os cães e declinou com a cabeça. “Ainda tenho alguns pesos que sobraram,” disse. “Levem-nos. E tenham cuidado, está bem?”
Maya olhou-o com uns olhos capazes de o matar. No entanto, amolecendo, deu-lhe um abraço furioso.
“Tem, tu também, cuidado,” sussurrou ao seu ouvido.
Vieram buscá-lo uma semana depois. Em casa, a meio da noite, tal como ele imaginava que fizessem.
Dois homens chegaram à sua soleira pouco depois das 2h da manhã. Um ficou silenciosamente à porta. O outro era um sorridente, pequeno e irrequieto, com um casaco desportivo com uma nódoa numa lapela e uma bandeira Americana na outra. “Greg Lupinski, temos motivos para acreditar que você está em violação do Acto de Abuso e Fraude com Computadores,” disse ele, como apresentação. “Mais concretamente, de ultrapassar o seu nível de acesso e por esses meios ter obtido informações. Dez anos de prisão para começar. Aquilo que você e a sua amiga fizeram aos vossos registos do Google é crime. E tudo isso virá a público durante o julgamento… tudo o que vocês limparam dos vossos perfis.”
Greg já tinha imaginado esta cena na sua mente durante toda a semana. Tinha planeado todo o tipo de coisas corajosas para dizer. Era algo com que se entretinha enquanto esperava por notícias da Maya. Ela nunca ligou.
“Gostaria de falar com um advogado,” foi tudo o que conseguiu dizer.
“Pode fazer isso,” disse o homeme pequeno. “Mas talvez possamos chegar a um acordo mais interessante.”
Greg encontrou a sua coragem. “Gostaria de ver o seu distintivo,” reclamou.
O rosto bochechudo do homem iluminou-se numa gargalhada.”Colega, eu não sou polícia,” disse. “Sou um consultor. O Google contratou-me - a minha firma representa os interesses deles em Washington - para incentivar relações. Claro que não queremos envolver a polícia sem falarmos consigo primeiro. Você faz parte da família. Aliás, há uma proposta que gostaria de lhe fazer.”
Greg virou-se para a máquina de fazer café, deitando o filtro velho no lixo.
“Contarei à imprensa,” disse.
O homem pensou por um momento. “Sim, claro. Poderia entrar pelo Chronicle dentro de manhã e contar tudo. Eles iriam procurar por uma fonte que confirmasse o que lhes dissesse. Não irão encontrá-la. E quando eles tentarem pesquisar por uma, nós estaremos lá. Portanto, porque não ouves o que tenho para dizer, okay? Estou no negócio em que ambas as partes ganham sempre. E sou muito bom no que faço.” Fez uma pausa. “Já agora, esses grãos de café são excelentes, mas devia limpá-los primeiro. Tira um pouco do amargo e realça os óleos. Passa-me um coador?”
Greg observou enquanto o homem silenciosamente tirou o casaco e o pendurou numa cadeira da cozinha, depois arregaçou as mangas cuidadosamente, tirando um relógio digital barato do pulso e colocando-o no bolso. Despejou os grãos do moinho para o coador, e limpou-os na banca.
Ele era bastante pálido, com um à vontade de um enegenheiro eléctrico. Na verdade, parecia um verdadeiro Googler, obcecado pelos pormenores. E via-se que sabia mexer num moinho de café.
“Estamos a recrutar uma equipa para o Edifício 49…”
“Não existe Edifício 49,” disse Greg automaticamente-
“Pois claro,” disse o homem sorridente. “Não existe nenhum Edifício 49. Mas estamos a preparar uma equipa para melhorar o Googlecleaner. Sabe, o programa da Maya não era muito eficiente. Está cheio de bugs. Precisamos de um upgrade. Você seria a pessoa ideal, e não interessaria o que você sabe se estivesse a trabalhar para nós novamente.”
“Inacreditável,” disse Greg, rindo-se. “Se pensam que vou ajudar-vos a difamar candidatos políticos em troca de favores, são mais malucos do que eu pensava.”
“Greg,” disse o homem, “não vamos difamar ninguém. Apenas vamos limpar um pouco as coisas. Para algumas pessoas em especial. Sabes a que me refiro? Todo a gente tem algo um pouco assustador no seu perfil do Google, se analisado atentamente. E a análise atenta é o que está na ordem do dia na política. COncorrer a um cargo é como fazer uma colonoscopia em público.” Carregou a máquina de café, e pressionou, o seu rosto em solene concentração. Greg pegou em duas chavenas - do Google, obviamente - e entregou-as ao homem.
“Vamos fazer pelos nossos amigos aquilo que a Maya fez por si. Apenas uma pequena limpeza. Tudo o que queremos é preservar a privacidade. Apenas isso.”
Greg provou o café. “E o que acontece aos candidatos que não limparem?”
“Pois,” disse o homem, esboçando um sorriso forçado. “Tem razão. Será um pouco duro para eles.” Procurou np bolso do casaco e tirou várias folhas de papel dobradas.
Ajeitou as folhas e colocou-as na mesa. “Aqui está uma das pessoas boas que precisa da nossa ajuda.” Era uma listagem das pesquisas feitas por um candidato em quem Greg tinha votado nas três eleições anteriores.
“O homem regressa ao seu quarto de hotel depois de um dia brutal de campanha porta-a-porta, e escrever ‘cús quente’ na sua barra de pesquisa. Nada de grave, certo? No nosso ponto de vista, impedir que um bom homem como este continue a servir o seu país vai contra o espírito Americano.”
Greg acenou com a cabeça vagarosamente.
“Então, vai ajudar o homem?” perguntou..
“Sim.”
“Ainda bem. Há só mais uma coisa. Precisamos da sua ajuda para encontrar a Maya. Ela não percebeu os nossos objectivos, e agora parece ter desaparecido do mapa. Assim que ela nos ouvir, tenho a certeza que nos vai compreender.”
Ele passou os olhos pela listagem dos resultados do candidato.
“Acho que sim,” respondeu Greg.
Demorara apenas 11 dias úteis para que o novo Congresso aprovasse o Acto de Segurança e Enumeração das Comunicações e Hipertexto, que autorizava o DHS e a NSA (Agência de Segurança Nacional) a contratarem até 80% do serviço de inteligência e análise a empresas privadas.
Teoreticamente, os contratos estavam sujeitos a concursos competitivos, mas dento do Edifício 49 do Google, não havia nenhuma dúvida sobre quem ganharia. Se o Google tivesse gasto $15 biliões num programa para apanhar os criminosos na fronteira, podem crer que os apanhariam-os governos não estão preparados para fazer a pesquisa direita.
Na manhã seguinte Greg olhava-se a si próprio cuidadosamente ao barbear (os agentes não gostavam do aspecto dos hackers, e não tinham qualquer pudor em dizê-lo), apercebendo-se que hoje seria o seu primeiro dia como agente ao serviço do governo dos Estados Unidos. Seria isso assim tão mau? Não era melhor ter o Google a fazer isto em vez de um agente parvo do DHS sentado a uma secretária? Pela altura em que estacionou no Googleplex, entre os carros híbridos e parques de bicicletas, estava convencido. Pensava sobre qual o smoothie orgânico que iria encomendar na cantina quando o seu cartão deu erro ao abrir a porta do Edifício 49. O LED vermelho piscava incessantemente de cada vez que ele passava o seu cartão. Em qualquer outro edifício seria fácil entrar atrás de outro colega, as pessoas entravam e saiam constantemente. Mas no Edifício 49 os Googlers apenas saiam para as refeições, e às vezes nem isso.
Passou o cartão mais uma dúzia de vezes. Subitamente ouviu uma voz ao seu lado.
“Greg, posso falar consigo, por favor?”
O homem colocou o seu braço sobre os ombros de Greg, e este sentiu o cheiro frutado do seu aftershave. Cheirava tal e qual o que o seu instructor de mergulho usava quando saiam à noite para os bares. Greg já não se recordava do seu nome. Juan Carlos? Juan Luis?
O abraço do homem era firme, conduzindo-o para longe da porta, sobre o relvado imaculado, passando o jardim no exterior da cozinha. “Vamos dar-te uns dias de folga,” disse ele.
Greg sentiu uma pontada de ansiedade. “Porquê?” Será que tinha feito algo errada? Iria para a cadeia?
“É a Maya.” O homem virou-se, olhando Greg com um olhar infinito. ” Ela suicidou-se. Na Guatemala. Lamento muito, Greg.”
Greg sentiu-se lançado no espaço, para um lugar quilómetros acima da superfície, uma vista do Googleplex no Google Earth, onde olhava para si próprio e para aquele homem como um par de pontos, dois píxeis, minúsculos e insignificantes. Desejou arrancar os seus próprios cabelos, cair sobre os seus joelhos, e chorar.
Desse lugar muito distante ouviu a sua própria voz dizer, “Não preciso de nenhum tempo. Estou bem.”
Desse lugar muito distante ouvir o homem insistir.
As insistências prosseguiram durante muito tempo, até que os dois píxeis se dirigiram ao Edifício 49, e a porta fechou-se atrás deles.
- FIM -
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